quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Quem viu a cortesia passar? - J. Carino

Eu, a crônica

        A cortesia foi-se embora. Quem a viu passar, indo-se e nos deixando entregues à brutalidade e à falta de modos e maneiras?
        Não falo da cortesia que deu origem à palavra: maneiras dos homens da corte. Esta era falsa, oca, vazia, artificial como as perucas empoadas. Refiro-me à urbanidade dos gentis, daqueles que se respeitam respeitando os outros, sobretudo os fracos, os idosos, os inocentes, os pequeninos.
        Onde está o gesto cortês de dar o lugar àquela senhora idosa, ao velhinho cuja vida de trabalho e trajetória digna lhes pesam nos ombros em decorrência dos anos? Isto se acabou. Nos meios de transporte, nas filas, em todos os cantos onde se disputam lugares, não se vê mais essa manifestação tão bela e carregada da humanidade.
        Homens corteses, que puxam a cadeira para as mulheres, ou lhes abrem a porta do carro, ou dão flores, onde estarão? São considerados anacrônicos – muitas vezes por mulheres, que confundem a aceitação da gentileza com submissão, fazendo da recusa um instrumento da afirmação das conquistas femininas, que evidentemente nada têm a ver com atitudes assim.
        Ah, nem é preciso lembrar que as cortesias das mulheres para com os homens é igualmente bem-vinda e necessária. Cortesia não tem sexo!
        Mas, nas modernidades cotidianas, também se instaurou a falta de cortesia. Quem se dá ao trabalho de dar resposta àquela mensagem eletrônica enviada com tanto carinho pelo amigo, pela amiga? Muita gente só as responde quando o interesse fala mais alto. Aí, o tempo para a resposta aparece, porém isto não é cortesia, mas pragmatismo ditado pelo que interessa.
        Dizer obrigado. Ah, como as pessoas se esquecem de agradecer! Esta simples cortesia pode dar a medida de um caráter. Vivemos tempos em que dizer essa palavra, bonita como o seu próprio conteúdo, é esquecida, em nome da pressa, ou por qualquer outro motivo.
        Ser cortês é, também, ouvir atentamente o que a outra pessoa nos fala. Ainda que possamos considerar o que se diz maçante ou desinteressante, o mínimo que podemos fazer, ainda que seja somente por cortesia, é prestar atenção. E tal cortesia nos custa tão pouco! O que vemos, com freqüência não são diálogos, mas monólogos que, sem o aval da cortesia jamais se tornarão parte de uma interlocução de verdade.
        E olhar nos olhos, essa coisa tão simples? É outra grande manifestação de cortesia, demonstrando ao interlocutor que minha atenção de fato lhe pertence, e não às curvas da bela morena que passa, ou ao belo físico do homem que cruza a rua.
        Falar baixo é outra inequívoca demonstração de cortesia. Significa que não venço a discussão com gritos, mas convenço com argumentos, que não precisam do barulho para se imporem à razão de quem conversa conosco.
        As crianças são particularmente sensíveis aos pequenos gestos de cortesia. Mesmo as mais levadas ou, digamos assim, sem educação, quase sempre se rendem a palavras e atitudes corteses. E, claro, se somos os responsáveis por lhes apresentar o mundo, que a elas deixaremos como legado, andaremos mal, e construiremos um futuro pior, se formos exemplos de falta de cortesia que elas provavelmente repetirão mais tarde, quando estiverem mergulhadas num mundo ainda menos cortês que o de hoje.
        Temos pudor de andar nus, mas faltamos com a cortesia despudoradamente. E a falta de cortesia é a nudez de um caráter. Cortesia e integridade quase sempre combinam, pois talvez a integridade seja a cortesia da alma em face dos outros.
        Cortesia traz muito e exige pouco; ao invés de envergonhar, enobrece. Não importa se nossos gestos corteses podem parecer anacrônicos. Só parecerão assim aos que não conheceram a cortesia ou não a viram fugir envergonhada de nosso cotidiano descortês.
        Tentemos ser corteses, todos nós. Como você, caro leitor, que fez a cortesia de ler esta minha crônica até o final.

Retirado de Alma Carioca.

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