sexta-feira, 8 de março de 2013

Recompensa


           Hoje a Ordem DeMolay me presenteou com um momento ímpar. Fico imaginando: “E se eu não fosse DeMolay, um dia eu iria passar por esse episódio? Iria aprender metade do que aprendi hoje?”. Não é a primeira vez que eu e outros milhares de jovens somos contemplados pela Ordem com uma ocasião excepcional. Promover alguma mudança na sociedade através da nossa instituição é muito gratificante, e esse benefício também atinge a nós, DeMolays. Dessa forma, hoje eu compartilho algo que eu não dei, mas recebi, graças à minha obrigação de participar de um Dia Devocional – um dos 09 “dias obrigatórios” do ano.

            A missão do meu Capítulo era visitar um templo da religião muçulmana. O local que representa a religião no nosso Estado é a Associação Beneficente Muçulmana do Rio Grande do Norte. Tudo fora agendado de forma que participássemos de uma das orações do chamado “Salá”.

            O Salá, Salat ou Salah refere-se às cinco orações que todo muçulmano deve realizar diariamente em direção à Meca, na Arábia Saudita. Lá, o último mensageiro de Deus, Muhammad – mais conhecido como Maomé –, proclamou o Islamismo. E, em virtude desse marco histórico, Meca se tornou a cidade mais sagrada do mundo para os mulçumanos.

            As cinco orações devem ser efetuadas em árabe, mesmo que o crente não conheça a língua, e em etapas do curso do Sol: Fajr, ao alvorecer; Dhur (ou Zhur), ao meio-dia, depois do sol ter atingir o seu ponto máximo; Asr: entre o meio-dia e o pôr-do-sol; Maghrib: logo após o pôr-do-sol; Isha: de noite, pelo menos uma hora e meia após o pôr-do-sol e antes da hora de fajr.

            Para mim, em particular, o Islã era algo obscuro, distante da minha realidade, obsoleto e até – inexplicavelmente – intolerante e preconceituoso. Naturalmente, todos tínhamos mitos na cabeça, os quais foram criados simplesmente pela falta de informação e, porventura, da dependência intelectual da mídia. Talvez, antes daquele dia, os preconceituosos fôssemos nós. Visitar o lugar e conhecer um pouco do islamismo era algo desejado por mim e por todos os meus irmãos, haja vista a grande riqueza de informações novas que estávamos prestes a receber.

            Temerosos em atrasar-nos para a oração comunitária do meio-dia, muitos de nós chegamos bem antes do horário determinado. Nos minutos que antecederam a ocasião, fomos extremamente bem recebidos pelos anfitriões, especialmente pelo Tawfic, o líder da associação islâmica aqui em Natal. Este fez uma explicação muito bem detalhada sobre o Islamismo, pescando contextos históricos e contemporâneos e apresentando toda a tradição da religião, desde o processo de conversão até o comportamento cotidiano de um muçulmano. Jesus para o Islamismo? Um grande líder espiritual, um dos profetas de Allah, um dos mensageiros de Deus. Jesus Cristo é reconhecido por sua jornada na Terra não como O Filho de Deus, mas como um profeta dentre tantos outros. Os adeptos do Islamismo creem na sua profecia assim como na de Moisés, Davi, Jacob, Isaac, Ismael, Abraão e, por último, Maomé. Com efeito, eles creem na unicidade divina, na sua onipotência. Temem ao criador e diante dEle são servos. Era notória a ansiedade nos olhos de cada um de nós em busca de internalizar aquelas inúmeras informações.

            Algumas mulheres chegavam continuamente ao local para a oração comunitária, utilizando o véu em volta de suas cabeças e braços. Isso ilustrava o momento e nos fazia sentir mais ainda dentro daquela explicação do Tawfic. Sinto-me infeliz por não poder compartilhar com os leitores tudo que eu pude absorver lá dentro. Porém devo ressaltar que jamais fui tão bem recebido em uma casa de outra religião. Era visível a alegria que eles tinham em nos acolher.

            Antes de começar a Oração, foi nos oferecida a Ablução (do latim ablutio, “lavagem”). Isto consiste no ato de purificar o corpo das impurezas que acumulamos nas horas que antecedem o momento. Com água corrente, lava-se os braços, a boca, o rosto, os cabelos e os pés. E assim todos fizemos. Logo em seguida, deu-se início ao momento litúrgico, sob a guia do líder Tawfic. Foi aí que rememorei aquele ritual que eu sempre via pela televisão. Os devotos realmente ajoelham-se encostando a cabeça no chão, entoando suas orações na língua árabe, na direção de Meca.

            Confesso que, por vezes, sentia-me muito mais ansioso que reverente. Percebia isso nos outros irmãos. Mas era inevitável. Ficávamos impressionados com a devoção e fervor com os quais eles realizavam suas preces. Fazia parte de suas vidas. Para eles, dedicar-se à religião não parecia ser um momento, mas um hábito contínuo e diário.

            Após o momento coletivo, voltamos a conversar com Tawfic. Fomos presenteados com dois exemplares do Corão (Alcorão) e alguns livros explicativos do Islã. Várias perguntas foram feitas aos islâmicos da associação, abordando história, comportamento e papel na sociedade. Alguns de nós tínhamos de ir embora, porém relutávamos para deixar o local. Parecia que havíamos acabado de viajar para o outro lado do mundo. As respostas puxavam mais perguntas e, nesse dilema, fomos chamados para almoçar juntamente com todos eles.

            A refeição não era diferente do que se vê no Brasil. Arroz refogado e galinha cozida, com um delicioso suco de goiaba, serviram a todos os presentes. Foi explicado que a carne animal – exceto a suína – é permitida ser ingerida, desde que o animal seja abatido, preferencialmente, com golpes que o façam sangrar completamente, sendo proibido alimentar-se do seu sangue.

            Ademais, também fomos interrogados sobre a Ordem DeMolay. Foi válido destacar o motivo pelo qual havíamos procurado o templo daquela religião. A palavra era inovação. Discernimento. Por em prática nossa liberdade religiosa e abrir a mente para o respeito à crença alheia; ir além da fronteira, ser compassivo e tolerante com aquilo que é diferente da nossa cultura. Aquela visita configurava não apenas um dia diferente para os DeMolays do Capítulo Reis Magos, mas também a importância da integração e intercâmbio de conhecimentos que deve haver entre os povos e suas culturas. Não havia nada que pagasse aquele dia memorável. Uma oportunidade que eu temia não encontrar...

            Hoje, os dois livros do Corão repousam sobre as estantes do Capítulo. E lá está a lembrança de um dia marcante. Um dia que a Ordem DeMolay me deu, que Frank Shermann Land me guiou até ele.

            É com esse episódio que eu passarei a criticar a mesmice dos dias obrigatórios. Mude. Inove. Não precisamos assistir no próximo ano à mesma palestra sobre templários ou sobre a fundação da Ordem DeMolay. Não precisamos somente desfilar pelas ruas no 07 de setembro para cumprir com o Dia do Patriota, tampouco fazer a mesma homenagem aos nossos pais em seus dias. Estamos nesta Ordem para conhecer o desconhecido, praticar o ainda não-praticado, falar aquilo que não foi dito. Vivemos em um ciclo justamente para girarmos várias vezes e termos a oportunidade de adquirirnovos conhecimentos.

            Espero um dia poder ver sobre o Altar DeMolay um Corão, um Torá, um conjunto de livros que denotem, concretamente, em meio às reuniões capitulares, nossa liberdade religiosa, sem a qual não poderia haver liberdade civil. Já que a função da nossa liturgia é relembrar e repensar valores, que um dia eles repousem no altar dos juramentos como uma lembrança viva deste dia devocional.

            Obrigado, Ordem DeMolay!


Salaam Aleikum (que a paz esteja sobre vós),
Pedro Rocha Formiga Júnior
Membro do Capítulo Reis Magos nº 15

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